Gameleira entre avenidas Presidente Vargas e Independência é tombada pelo Conpacc em Ribeirão Preto, SP — Foto: Reprodução/EPTV
Recentemente, no dia 24 de março, uma antiga árvore, localizada na esquina da avenida Independência com a rua Bernardino de Campos, foi a primeira árvore a ser tombada como patrimônio cultural pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural (Conppac) na cidade de Ribeirão Preto.
Esta árvore, uma gameleira, seria sacrificada para que obras viárias na região central do município fossem realizadas. A solicitação legal para a extração tinha como justificativa o fato de a árvore não atender às demandas do projeto aprovado, que foi desenvolvido sem considerar a árvore ali existente. No mês de novembro do ano passado iniciaram-se os processos para a extração da referida árvore, o que gerou imediata mobilização da sociedade civil para garantir a sua preservação. Moradores de edifícios vizinhos, ambientalistas, representantes da sociedade civil e do legislativo iniciaram um longo e intenso movimento, em várias esferas, para se evitar a derrubada da gameleira.
Várias árvores sadias têm sido continuamente derrubadas, de forma legalizada, por interferirem nos projetos viários da cidade (projetos estes que ao serem desenvolvidos não consideraram suas existências). Quem não se lembra das árvores nos canteiros centrais das avenidas Paschoal Inecchi e do Café e das árvores na praça Spadoni, recentemente retiradas para implantação de obras viárias no município?
Mas porque a gameleira e sua preservação tornaram-se fato tão importante?
Não é novidade para aqueles que caminham a pé pelas ruas de Ribeirão Preto o fato de que nossa cidade tem uma deficiência crônica na arborização viária urbana e que as poucas árvores existentes, ou sobreviventes, têm sua qualidade e tempo de vida reduzidos devido aos constantes desgastes aos quais são continuamente submetidos (podas erradas de árvores, mutilação de raízes, falta de espaço para crescimento de raízes, falta de espaço adequado para crescimento de copas, entre outros). Neste contexto, o movimento para se garantir a sobrevivência de uma árvore antiga e sã já se justifica.
Enquanto boa parte das cidades do mundo repensam-se para que possam abraçar as demandas ambientais, atuais e futuras, priorizando as infra estruturas verde-azuis (redes de espaços verdes urbanos, como praças, parques, corredores verdes, florestas urbanas, espaços de produção agrícola urbanos, entre outros, associados a ecossistemas hídricos urbanos, como rios e suas várzeas, lagos, lagoas, entre outros), nossa cidade ainda está presa num modelo de crescimento pautado nas infraestruturas urbanas cinzas (vias, estacionamentos e outras superfícies impermeáveis). A incorporação do verde como elemento estrutural do planejamento urbano de várias cidades brasileiras (Curitiba, Maringá e Goiânia, por exemplo) ou não-brasileiras (Hamburgo, Mendoza, Cali, Berlin, Madri, entre outros), provou-se positivamente transformada, tanto para os cidadãos como para a fauna e flora.
Mas a gameleira, no entanto, tem uma importância que vai muito além de seu valor ambiental. A gameleira faz parte da memória coletiva da cidade, participando da história de cidadãos de diversas formas, desde aqueles que utilizam sua sobra, que a viram crescer, que a tinham como referência na paisagem urbana, que estabeleceram um vínculo de identidade com ela.
Neste contexto, podemos dizer que o movimento pela manutenção da gameleira não apenas representa uma manifestação de insatisfação da sociedade perante a inadequação da arborização viária da nossa cidade, mas também um clamor pela preservação da nossa memória como sociedade.
A crise ambiental mundial pela qual passamos hoje nos obriga a mudar nossos caminhos, nossas estratégias e coloca em xeque antigos paradigmas, que já não atendem mais as demandas do mundo atual. Estamos passando, como sociedade, por um profundo processo de mudança.
Cito aqui um trecho do que Fritjof Capra escreveu já em 1982 em seu livro O Ponto de Mutação:
Necessitamos, a fim de nos prepararmos para a grande transição em que estamos prestes a ingressar, de um profundo reexame das principais premissas e valores de nossa cultura, de uma rejeição daqueles modelos conceituais que duraram mais do que sua utilidade justificava, e de um novo reconhecimento de alguns dos valores descartados em períodos anteriores de nossa história cultural.
Neste contexto, quem sabe daqui a alguns anos olhemos para trás e, tenho esperança disso, vejamos a gameleira, agora patrimônio, como o marco inicial no processo de mudança tão necessário para a nossa cidade.