A relação entre cidades sustentáveis, coronavírus e a poça d’água da chuva

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A ideia inicial era contar um pouco da minha pesquisa de mestrado no Programa de Ecologia Aplicada da ESALQ-USP. Pensando no que escrever me percebi refletindo sobre o quão importante é o percurso dos municípios para atingir a sustentabilidade, e o quanto isso fica ainda mais evidenciado em tempos do vírus Covid-19. Algumas perguntas surgiram a mente e entre elas uma me chamou mais a atenção: “o quão diferente estaria sendo o enfrentamento desta pandemia se estivéssemos, como sociedade, mais perto da nossa meta de cidades sustentáveis? ”

Graduada em Gestão Ambiental, venho de uma trajetória de interesse nas agendas globais, mais especificamente, a Agenda 2030 da ONU que foi elaborada já com a proposta de não repetir os mesmos erros das agendas passadas e desta vez focar nas ações em nível local e o mais importante: “não deixar ninguém para trás”. Foi então em 2015 com 193 assinaturas de Estados-Membros das Nações Unidas que a Agenda 2030 começou a percorrer os caminhos para colocar em ação o plano com 17 Objetivos e 169 metas para alcançarmos sociedades mais justas, resilientes e sustentáveis até 2030.

Apesar de estarmos vivendo na prática que, como planeta, todos nós somos corresponsáveis uns pelos outros uma vez que os danos à saúde e ao meio ambiente não respeitam as fronteiras, é um fato que a nível local os governantes municipais possuem maior capacidade de criar resoluções focadas para cada problemática e aumentar as chances de sucesso evitando que o problema se propague. Os desafios são enormes: como conciliar a busca desenfreada por progresso e desenvolvimento dentro de sociedades com menos impacto ambiental? Como nos certificar que as informações estão chegando para as cidades menores? Por onde começamos? E os indicadores municipais? Cinco anos depois do lançamento da agenda e dez anos antes de que todas os objetivos e metas tenham que ser atingidos minha pesquisa busca medir e entender os avanços e o caminho percorrido para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 nas cidades de Ribeirão Preto, Cravinhos, Serrana, Brodowski, Jardinópolis, Dumont, Guatapará e Sertãozinho. Será que a agenda global nascida de encontros internacionais conseguiu seguir seu caminho até a região noroeste da capital do Estado de São Paulo, mais especificamente, na região metropolitana de Ribeirão Preto?

A metodologia de estudo se dá em uma busca das ações e projetos implementados pelos governos destas cidades que englobam os ODS’s referentes ao cuidado com o meio ambiente. O foco são os objetivos: água limpa e saneamento, energias renováveis, cidades e comunidades sustentáveis, consumo responsável, mudanças climáticas, vida debaixo da água, vida sobre a terra.

Voltando a pergunta do início do texto “o quão diferente seria o combate ao vírus Covid-19 se estivéssemos mais a frente na nossa transição para cidades mais sustentáveis? Acredito que tudo seria diferente. Nossas cidades seriam pensadas para os pedestres, com mais ciclovias e transportes públicos de qualidade e automaticamente a qualidade do ar seria muito melhor. A Aliança Europeia de Saúde Pública afirmou que a poluição do ar provavelmente diminui as chances de uma pessoa infectada pelo vírus sobreviver, uma vez que o pulmão de quem convive em regiões poluídas é mais vulnerável assim como o pulmão de um fumante. Cidades sustentáveis contam com ruas arborizadas, florestas urbanas e corredores ecológicos, o que também influencia muito positivamente na qualidade do ar. Nesse modelo de sociedade nós seremos consumidores conscientes responsáveis pelas nossas escolhas e então optaremos por uma economia colaborativa e circular. Dessa forma nossa economia terá mais força e os produtores locais e autônomos terão mais recursos para enfrentar a crise financeira. Vale a pena ressaltar que o conceito de sustentabilidade muitas vezes é erroneamente recortado as questões ambientais mas na realidade o termo abrange questões relacionadas ao meio ambiente, a sociedade e a economia. Em modelos de cidades sustentáveis não teremos moradores em situação de rua ou pessoas em condições desumanas, até porque de que forma essa situação pode ser sustentável? De nenhuma forma! Nesta sociedade, o ser humano importa e à todos será garantido o acesso à habitação segura, adequada e a preço acessível. A publicação do dia 20 de março deste ano do jornal El País conta com um relato de um morador de rua que disse “Lavamos as mãos nas poças quando chove”. Uma das principais formas de prevenção do vírus é o isolamento e a higiene das mãos, como podemos permitir, como sociedade, que até lavar as mãos se torne um privilégio? O relógio do planeta está girando e nos impulsionando a fazer escolhas e tomar atitudes que nós já sabíamos que era o correto a se fazer mas por diversas razões, como sociedade, não as fazemos. A intensidade desta pandemia está relacionada com a qualidade ambiental no Planeta Terra, a nossa relação com as outras espécies e com a degradação de seus habitats. O capítulo 4 do livro Seis Passos para a Cidade Humana do IPCCIC aborda as formas de reconexão das relações ser humano e meio ambiente e nos mostra que é possível e que já existem em prática modelos de sucesso.

Diante da situação posta nós podemos passar por tudo isso e escolher ignorar até que o próximo sinal da natureza chegue, talvez ainda mais forte, e nos pegue despreparados outra vez, ou podemos a partir dessa pandemia, mudar o nosso caminho. Já sabemos o que fazer, o que nos falta é abandonar velhos hábitos e valores que nos trouxeram até essa situação e agir! O que eu espero é que nós escutemos com o coração tudo que essa pandemia veio nos ensinar, para que possamos ter força para construir um novo rumo.

*Deseja saber mais sobre o IPCCIC e os Os Seis Passos para a Cidade Humana? Acesse o nosso site: https://www.ipccic.com/. Compre o livro “Os Seis Passos para a Cidade Humana” publicado pelo grupo em 2018 no site: https://www.estacaoletras.com.br/product-page/os-seis-passos-para-uma-cidade-humana.