Cidadania e o Direito à Saúde

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Em 5 de Outubro de 1988 se promulgava a Constituição Federal do Brasil, conhecida popularmente como a Constituição Cidadã por ter sido concebida no processo de redemocratização do país e pelos direitos sociais previstos. Em razão disso, no mês de Outubro desse ano de 2023, a nossa carta Magna faz aniversário de 35 anos!

A pergunta que se faz é: temos muito a comemorar?

Em relação a um dos principais direitos sociais previstos na Constituição, o direito a saúde, podemos apresentar como resposta categórica que estamos distantes do quadro idealizado pela aniversariante.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu Artigo 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação. (1988, p. 118)

O Brasil não é o único país ou entidade a conceber a ideia da saúde como um direito do ser humano. Ela consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, elaborada pela Organização das Nações Unidas, e definido pelo artigo XXV, que todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis. Ou seja: o direito à saúde é indissociável do direito à vida, que tem por inspiração o valor de igualdade entre as pessoas.

Voltando ao Brasil: a efetivação do direito a saúde previsto na Constituição Federal somente foi possível com a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em 19 de Setembro de 1990, foi assinada a Lei nº 8080, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes do Sistema Único de Saúde.

O SUS é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo, abrangendo desde o simples atendimento, como avaliação médica, até intervenções complexas, como transplantes de órgãos.

A instituição do Sistema Único de Saúde (SUS) deveria possibilitar a garantia do acesso integral, universal e gratuito para toda a população do Brasil, sem distinção ou discriminação.

O atendimento de saúde do Brasil é integral, igualitário e universal; ou seja, não faz qualquer distinção entre os usuários. Inclusive, estrangeiros que estiverem no Brasil e por algum motivo precisarem de alguma assistência de saúde, podem utilizar de toda rede do SUS gratuitamente.

O SUS é o único sistema de saúde pública do mundo que atende mais de 190 milhões de pessoas, sendo que 74% delas dependem exclusivamente dele para qualquer atendimento de saúde.

A Pesquisa do Ministério da Saúde, realizada em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019, revelou que 71,1% da população foi a estabelecimentos públicos de saúde para atendimento.

Voltando à pergunta inicial se há motivos para comemorar? Percebemos que o Brasil se encontra em um momento desafiador para o Poder Público que consiste em tirar do papel para tornar realidade o direito a saúde previsto na Constituição Federal de 1988, aniversariante desse mês de outubro.

Um dos aspectos que estão desafiando a qualidade e eficiência do sistema público de saúde do Brasil é a universalização do atendimento.

O caos da saúde pública pode ser atribuído a diversos fatores. Um deles é o aumento da demanda: o desemprego e os baixos salários levam cada vez mais brasileiros a buscarem o SUS como única forma de assistência médica.

Esse fator pode ser verificado através de levantamento feito pelo IBGE em 2019, que demonstra a proporção de brasileiros que possuem plano de saúde por região.

Ademais, segundo o mesmo levantamento, tão somente 26% da população brasileira tem acesso à saúde suplementar e não depende única e exclusivamente da saúde pública.

Outro fator que está contribuindo para o caos da saúde pública no Brasil é o aumento recente da fome e da pobreza no país, o que, consequentemente, acarreta em mais doenças e agravamento das existentes, aumentando consideravelmente a demanda por assistência médica hospitalar pública.

Desta forma, as condições sanitárias do Brasil contribuem diretamente com o aumento das doenças verminoses e endemias, e por conseguinte, a necessidade da assistência médica hospitalar fornecida pelo Sistema Único de Saúde.

Segundo levantamento feito pelo IBGE em 2019, nos estados da região Norte, por exemplo, apenas duas em cada dez residências têm rede geral de esgoto ou fossa séptica e banheiro exclusivo. Na região Sudeste, essa proporção foi 88,7%:

Percebe-se, assim que o caos na saúde pública muito se deve à situação precária de vida e subsistência dos brasileiros em relação ao emprego, baixa renda, saneamento básico, coleta de lixos, entre outros.

Portanto, assegurar um padrão de vida capaz de garantir condições aceitáveis de bem-estar com alimentação, vestuário, habitação e os serviços sociais indispensáveis são fatores fundamentais para diminuir a alta demanda da saúde pública, e por conseguinte, certificar o acesso integral e efetivo do sistema público de saúde do Brasil.

Pode-se afirmar, ainda, que o brasileiro somente irá usufruir do direito a saúde de maneira eficaz quando, de fato, exercer a cidadania plena.

A cidadania deve ser entendida, nesse sentido, como um processo contínuo, uma construção coletiva que almeja a realização gradativa dos Direitos Humanos e de uma sociedade mais justa e solidária.

O ato de desafogar o sistema público de saúde do Brasil somente poderá ser feito, se for acompanhado por melhorias no próprio sistema, através da gestão por meio da União, Estado e Municípios das demais demandas sociais do povo brasileiro.

É preciso um trabalho coletivo para pressionar o Estado a garantir o acesso à saúde a todos os brasileiros, com o exercício pleno da cidadania, tirando do papel e executando de fato o direito a saúde previsto na Constituição Federal de Outubro de 1988.

Referências:

BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal

CARVALHO, Gilson de Cassia Marues Carvalho. O momento atual do SUS… a ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/PJPHZsyNX4sncpYzSyXHpcB/?lang=pt. Acesso em 13 set 2023.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Lei nº 8080: 30 anos de criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/lei-n-8080-30-anos-de-criacao-do-sistema-unico-de-saude-sus/#:~:text=IN%C3%8DCIO-,Lei%20n%C2%BA%208080%3A%2030%20anos%20de%20cria%C3%A7%C3%A3o%20do%20Sistema%20%C3%9Anico,%C3%9Anico%20de%20Sa%C3%BAde%20(SUS). Acesso em 04 out 2023

PAULA, Patrícia de. 71% dos brasileiros têm os serviços públicos de saúde como referência. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/71-dos-brasileiros-tem-os-servicos-publicos-de-saude-como-referencia/. Acesso em 04 out 2023.

SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE. SUS. Disponível em: https://www.saude.mg.gov.br/sus#:~:text=O%20SUS%20%C3%A9%20o%20%C3%BAnico,para%20qualquer%20atendimento%20de%20sa%C3%BAde. Acesso em 13 set 2023

TAJRA, Alex. 7 em cada 10 brasileiros dependem do sus para tratamento diz ibge. Disponivel em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/09/04/7-em-cada-10-brasileiros-dependem-do-sus-para-tratamento-diz-ibge.htm. Acesso em 04 out 2023.