Cidades do século XXI: um novo caminho possível

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Como chegamos ao ponto em que estamos? Para seguirmos em frente, em nossa jornada enquanto espécie sobre esse planeta, precisamos inicialmente refletir sobre o percurso que trilhamos até aqui [1].

A Humanidade historicamente acredita que tem poder de controlar, dominar e usar a natureza, colocando-se externamente a ela. A lógica homogeneizante antinatural sobre a qual construímos nossa sociedade atual, e que vem sendo corroborada incessantemente pelos sistemas produtivos, econômicos e sócio espaciais nos últimos séculos, reforça esta ideia.

Nosso mundo ocidental é reflexo do pensamento cartesiano que embasou as ciências até o final do século XIX. Tal pensamento, sem dúvida, possibilitou o desenvolvimento da industrialização e das especialidades modernas. Também nos impediu de perceber que todos os elementos que compõem nossa realidade integram e interagem como partes de um todo muito maior, muitas vezes imperceptível para nós.

Apesar das descobertas e propostas de cientistas nos séculos XIX e XX (podemos citar aqui Lamarck, Darwin, Clausius, Boltzmann, Heisenberg e Einstein) terem provocado a ruptura de tal pensamento cartesiano, a realidade em que vivemos ainda é o resultado de uma percepção de mundo reducionista e determinista.

Nossas estratégias de gestão e planejamento culturais, sociais, econômicos, produtivos e urbanos ainda são pautadas em ações e pensamentos fragmentados, setorizados e embasados em modelos que promovem a especialização de uso do solo (urbano e rural), o predomínio de valores individuais em detrimento aos coletivos, o aumento da desigualdade social mundial e a homogeneização cultural.

Dentro deste contexto, os modelos produtivos adotados pela nossa sociedade recente, resultaram, dentro outras coisas, num movimento migratório constante de pessoas das áreas rurais para as áreas urbanas.

Atualmente 55% da população mundial vive em áreas urbanas e a expectativa é de que essa proporção aumente para 70% até 2050. No Brasil, os números da última Pesquisa Nacional do Censo Demográfico informam que, no ano 2010, o número de pessoas residindo em área urbana já era de 160.925.792, representando mais de 84% da população nacional. Essa intensa urbanização, no entanto, não está associada à melhoria de qualidade de vida da população urbana.

A maioria dos centros urbanos brasileiros não possui infraestrutura necessária para receber o afluxo da população de diferentes regiões que migram para estes centros em busca, principalmente, de oportunidades de trabalho. A ocupação urbana não planejada acentua o processo de degradação ambiental e a diminuição das áreas verdes urbanas, sendo que a tendência à urbanização provoca o aumento significativo de alterações do processo de funcionamento do ambiente natural, principalmente pela fragmentação de habitats.

A interface entre a questão ambiental e a expansão urbana ocorre a partir de contradições políticas, sociais e técnicas do processo de proteção ambiental, em que não há a definição de uma agenda política de prioridades sociais, proporcionando um processo de expansão urbana desordenada. Então como pensar em estratégias novas tendo-se como referência um modelo que considere a complexidade dos sistemas naturais, incluindo-se o ser humano e suas culturas? Quais os caminhos que podemos seguir para repensarmos nossas cidades?

Algumas estratégias podem auxiliar-nos nessa jornada.

A primeira é a necessidade de integração dos instrumentos da política pública entre si, para que se faça cumprir a função social da propriedade urbana e o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, minimizando-se assim os conflitos entre os valores ecológicos e sociais.

A segunda é entendermos que as cidades são ecossistemas. Nesse aspecto, podemos levantar duas questões estruturantes: como esse ecossistema pode funcionar de maneira equilibrada e quais são as suas relações com os ecossistemas não urbanizados que o rodeiam?

Para responder a primeira questão utilizamos como referência o trabalho de dois autores: Richard T. T. Forman [2], um conceituado escritor sobre ecologia da paisagem e Richard G. Rogers [3], arquiteto que difunde o conceito de cidades compactas.

Forman afirma que o modelo de expansão urbana que menos impacta negativamente os sistemas naturais é aquele baseado em estruturas polinucleadas ou policêntricas. Em outras palavras, são as cidades compostas por vários núcleos urbanos, com limites de expansão predefinidos, conectados entre si por corredores (corredor ferroviário, por exemplo). Esse modelo de expansão urbana permite a coexistência equilibrada entre ecossistemas naturais e urbanos. Mas como devem ser esses núcleos para que funcionem de forma sustentável?

Rogers apresenta-nos dois conceitos importantes que podem responder a essa questão: cidades compactas e metabolismo urbano circular. As primeiras são baseadas em núcleos compactos (adensados) e de uso misto, minimizando-se as necessidades de deslocamento e favorecendo-se os meios de locomoção não motorizados (pedonal e ciclomobilidade). Já aquelas com metabolismo circular são cidades que possuem ciclos energéticos fechados, como em sistemas naturais. Esses se baseiam em fontes de energia renováveis, cujos resíduos produzidos por uma atividade são matéria-prima de outra (associa-se aqui conceitos como reciclagem, reuso e reutilização), e onde os recursos necessários são produzidos próximos às áreas de consumo (produção de alimentos nas áreas próximas aos núcleos urbanos, por exemplo).

Tendo-se como referência esse modelo de cidade polinuclear compacta, com metabolismo circular, o próximo passo a ser dado é repensar as estratégias de conexão entre esses ecossistemas urbanizados e os não urbanizados.

Várias cidades, como Hamburgo (Alemanha), já optam por reorganizar suas redes de conexão e mobilidade, a partir de infraestruturas verdes. Caracterizam-se como redes compostas por sistemas verdes integrados, que permitem a conexão de sistemas naturais. Quando ocorrem em áreas urbanas possibilitam a criação de corredores para bicicletas e pedestre associados a áreas vegetadas.

Para finalizar, para que possamos trilhar nosso caminho na construção de cidades mais sustentáveis e em equilíbrio com os sistemas naturais, devemos compreender que somos parte de uma rede complexa, na qual interferimos com nossas ações, positivamente ou negativamente.

[1] Tem-se como referência o texto original PETENUSCI (2015), disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/18/18139/tde-04052015-155552/pt-br.php [2] ROGERS, R. T.T.; Urban Regions: Ecology and Planning Beyond the City. Cambridge University Press. 2008. [3] ROGERS, R. G.; GUMUCHDJIAN, P. Cidades para um pequeno planeta. GG Br -Gustavo Gili. 2015.

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