Como é o ponto no meio de dois lados?

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Depois de ter escrito sobre o ponto entre os dois lados, me coube pensar como definitivamente ele é. Não criá-lo, claro. Nem poderia. Mas sim, refletir sobre ele e tentar dar contornos verbais que o defina. Talvez, mais facilmente, alguém possa chamá-lo de “meio”. Entretanto, ao longo da história, a rede de conversação que se consolidou sobre o “meio” ganhou nuances desfavoráveis. Do radical da palavra surgiram derivados, tipo “mediano”. E mediano ninguém quer ser.

O pior, é que as redes de conversações vão abrindo áreas e envolvendo a todos, sem permitir melhores e amplas reflexões. Quando a gente percebe está repetindo, replicando, sem nunca ressignificar. Problema nenhum ser mediano, nada de errado em parar um pouco encima do muro até ter certeza do lado que quer ocupar. Mesmo que esse tempo seja mais longo. E daí?

Agora, por circunstâncias aleatórias, parar para pensar sobre o ponto entre dois lados, ou meio, pode ser muito oportuno. Nem grande, nem pequeno, médio. Nem bilionário, nem abaixo da linha da pobreza, exatamente no meio da pirâmide. Nem extremo do lado de lá, nem extremista do lado de cá, localizado no ponto central.

Enquanto esperava minha mãe tomar uma injeção, olhando para todas aquelas pessoas de máscaras, anotei em um pedaço de papel encontrado no carro, as palavras chaves para a reflexão textual que desejava fazer, em poucas linhas: morte, felicidade e comparação.

Sobre a morte, lembrei que não poucas pessoas quando ficam cara a cara com a dita cuja e conseguem voltar, se colocam novos desafios. Propagam mudanças em suas rotinas e, invariavelmente passam a valorizar, sobremaneira, a felicidade. Essa ameaça do vírus nada mais é do que a visita sorrateira da morte. Em sendo assim, é o momento exato, uma vez que vivos, de nos comprometermos com outras rotinas puxados pelo imenso desejo de felicidade. Essa também é uma palavra que foi transitando ao longo do tempo. Teve quem, maldosamente, deu a ela um sentido de menos importante do que o poder econômico, a vitória e a supremacia. Mas de que valem esses três conceitos sem felicidade?

As regras do mercado nos fizeram valorizar o sapato novo, a bolsa da moda, a viagem para o longe, o doutorado depois do mestrado, quando certeiramente, podíamos ser felizes com o sapato velho, a bolsa antiga, a viagem para dentro de nós mesmos e uma alfabetização emocional. É ai que entra a comparação.

Quantas vezes desejei ser minimalista e basicamente simples. Não uma, nem dez, muito mais do que isso. E nunca deu certo. Deixar de fazer a unha, mas lembrar que outros vão observar a ausência do esmalte. Não comprar a roupa da moda por absoluta convicção de não precisar, mas não resistir ao pensar que sairia nas fotos.

A sobra mais valiosa dessa catástrofe que estamos vivendo é a autorização de implementarmos o nosso projeto de felicidade sem comparação. Vamos criar uma nova rede de conversação afirmando todos os dias que a simplicidade é a coisa mais sofisticada que existe. Dar likes em ideias e projetos minimalistas. Torcer o nariz para ostentações e exibicionismo. Propagar que a humanidade é em si o grande patrimônio.

Humberto Maturana disse que a sociedade é cultural, que a cultura é uma rede de conversação e que para desconstruir uma rede só criando uma nova. Por fim, para consolidar uma nova rede de conversação, somente a partir da emoção. E o chileno conclui que o amor é o sentimento base para emocionar. Estamos verdadeiramente emocionados. Com as mortes registradas e com o anuncio da possibilidade de muitas mais. Até mesmo a da gente. Portanto, esse é um momento fértil para revisões. E só nós podemos fazer. Como disse a psicóloga Marlene Trivellato, “não depende só da gente, mas depende da gente”.

Quem está disposto a fazer as mudanças que ao longo de toda vida sempre afirmou que eram necessárias? Se faltava coragem antes, agora, mudar está na moda. Não perca a chance de ser líder de você mesmo.

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