Direito à Cidade | Entrevista com Helena de Oliveira Rosa

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Nesta entrevista, Helena de Oliveira Rosa fala sobre o Direito à Cidade, espaço que nós vivemos e que precisa ser visto com carinho e cuidado. Nós somos e construímos a cidade, por este motivo, políticas públicas se fazem necessárias para garantir esse direito. Helena Rosa, atua no campo das políticas públicas como consultora, pesquisadora e tutora de formação mediada.

1 – Toda trajetória do IPCCIC foi construída tendo a cidade como cenário de atuação. E nesses dez anos tem se falado sobre o Direito à Cidade, como você relaciona esses dois temas: IPCCIC e Direito a Cidade?

Helena – O IPCCIC ao longo de dez anos de história desenvolveu uma tecnologia social que são os Seis Passos para a Cidade Humana, que é colocar o ser humano em primeiro lugar, transformar o cidadão em cocriador, viver em comunidade, religar o ser humano ao meio ambiente, a economia cocriadora e educar em suas múltiplas formas. A preocupação do IPCCIC, veio dessa reflexão de que para uma cidade ser criativa, primeiro ela precisa ser humana. E o Direito à Cidade dialoga com os Seis Passos do IPCCIC, com essa reflexão teórica, na medida em que o Direito à Cidade propõe a ideia de que a cidade, enquanto espaço que as pessoas produzem, moram, vivem, constroem suas relações, sua identidade, ela é um direito humano. É um direito coletivo que tem que ser defendido por todos. É principalmente uma pauta internacional, em que os movimentos sociais publicam no ano de 2006 a Carta Internacional do Direito à Cidade, trazendo realmente essa ideia de que a cidade é um direito humano e que ela tem que ser considerada como pauta no ciclo de políticas públicas nos diferentes países. É adotada uma perspectiva que de que as pessoas têm que ir para a ação, tomar a consciência de que elas não apenas vivem na cidade. A cidade é parte do que elas constroem enquanto seres humanos. Então é realmente essa chamada à ação para as pessoas e para os governos de que a cidade precisa ser olhada com carinho, porque quando a cidade não é cuidada, não é olhada, quando ela não é entendida como um Direito, nós não estamos garantindo a dignidade das pessoas

2 – A Cidade Humana, dentro dessa lógica, é uma escala acima do próprio conceito de cidade?

Helena – Há vários conceitos de cidade, mas particularmente como conceito de Cidade Humana eu acredito que está totalmente relacionada aos seis passos, porque propõe a ideia de um ser humano integral, de um ser humano que está dentro da própria cidade e ele entende que ele é parte dela. Então da mesma forma que ele tem direitos, ele tem responsabilidades, ele é cocriador do espaço urbano em que ele habita. Não basta simplesmente ele viver na cidade. Ele precisa entender que uma cidade só se torna melhor quando ele assume seu papel de cidadão. Quando ele entende que o espaço que ele vive só se transforma quando ele se coloca em ação, quando ele se entende como parte de um coletivo. Isso é um tema muito caro para o IPCCIC e que dialoga novamente com o Direito à Cidade. O Direito à Cidade também está previsto no Estatuto da Cidade de 2001 aqui no Brasil, para além de ser uma pauta internacional e que também discute essa ideia do direito as pessoas às cidades sustentáveis. E dentro dessa sustentabilidade, entra moradia, entra meio ambiente, acesso aos espaços públicos, aos equipamentos sociais, entre outros. Então essa Cidade Humana ela tem duas vias. Ao mesmo tempo que ela garante uma vida digna aos seus cidadãos, esses cidadãos também se entendem como cocriadores do espaço urbano que eles vivem.

3 – O que impede o Direito à cidade?

Helena – Há um debate de que o direito à cidade, assim como o meio ambiente, é um direito coletivo e difuso. E como direito coletivo, a esfera de proteção dele tem que ser pensada com questões para além dos direitos individuais, em uma escala mais ampla. Entretanto, fica a reflexão: como se exige o Direito à Cidade? Vou para um tribunal, para o Fórum e exijo? Isso ainda não é tão visto como, por exemplo, no caso da exigência do direito à educação ou à saúde. Ainda não é tão palpável quanto esses outros direitos, que já conseguimos observar a proteção e a garantia tanto na esfera individual quanto na coletiva. Mas pensando numa perspectiva de proteção, do que a gente pode fazer para que o Direito à Cidade seja garantido, são as políticas públicas. Acredito que o que impede o direito a cidade é planejar políticas que considerem a cidade em sua totalidade, garantindo o direito das pessoas a uma vida digna e sustentável dentro do espaço urbano. Então, o direito à cidade não é alcançado quando a cidade não é pensada, em sua realidade, para se fazer políticas públicas.

4 – Qual o dever do cidadão?

Helena – Eu vejo muito de uma perspectiva política. Os estudiosos do direito e da ciência política discutem que muitas vezes as pautas políticas são levadas para o âmbito do judiciário, o que chamamos de judicialização da política. Entretanto, eu não acredito que essa seja a única via para se garantir direitos, sobretudo os coletivos, como é o caso do direito à cidade. Precisamos pensar na coletividade, como nós, enquanto cidadãos, podemos contribuir para a construção do espaço em que vivemos. O que eu posso fazer hoje pela minha cidade? O que eu posso fazer hoje para garantir os direitos de todas as pessoas? Nosso papel, enquanto cidadãos, é sermos cocriadores das nossas cidades. Há várias formas de fazer isso, mas o ponto de partida é sempre lembrar que as nossas responsabilidades não terminam quando depositamos nosso voto nas urbanas. Nosso dever para com a cidade acontece a todo e a qualquer momento: quando mantenho as vias limpas, preservo o patrimônio público, sou solidário com os outros cidadãos, participo dos espaços de debate e deliberação, entre outras possibilidades. A gente só precisa se lembrar que a cidade não é só minha, mas é minha também! Como dizemos no IPCCIC, um problema não depende só de mim, mas também depende de mim!

5 – O amor como atitude pedagógica e o direito à cidade. Qual a relação?

Helena – O amor como atitude pedagógica é a base de todo o trabalho nosso no IPCCIC. Essa proposta trabalhar com a ideia da empatia com o próximo, com a ideia de pertencimento e do sentido de comunidade. O direito à cidade, antes de se tornar uma pauta política e um direito garantido pela lei brasileira, foi uma discussão política preocupada com a crescente perda de identidade que as pessoas estavam vivendo em relação às cidades em que viviam. As cidades aumentaram de tamanho, ficaram mais aceleradas e caóticas, com desigualdades evidentes, e os cidadãos foram aos poucos perdendo o sentido de pertencimento ao local que viviam. O direito à cidade também é uma proposta de amar à própria cidade, a partir da retomada de laços. Afinal, só cuidamos daquilo que nos sentimos pertencentes e amamos. Esse é o cerne do debate sobre este direito.