Gestão por evidências: uso estratégico de dados na educação

Compartilhar

No contexto educacional, os dados e as evidências têm o poder de transformar a gestão pública, potencializando a tomada de decisões e a implementação de políticas mais eficazes e inclusivas. No entanto, a pergunta essencial é: estamos usando esses recursos da melhor maneira?

Em junho de 2024, no 4º. Seminário Internacional de Gestão Educacional – Dados e evidências para transformações pedagógicas, promovido pelo Instituto Unibanco, o debate envolveu mais de vinte especialistas nacionais e internacionais, em diálogo com o futuro das avaliações educacionais, a aprendizagem dos estudantes e as novas tecnologias.

A equipe da Cocreare Consultoria esteve no evento com o objetivo de ampliar sua visão sobre o tema e alinhar o assunto à experiência profissional de planejamento educacional. Foi interessante observar que os pontos mais discutidos envolveram como a gestão baseada em evidências, enquanto aplicação de pesquisas e dados na administração pública, com foco em melhorar processos e resultados educacionais, tem impactos positivos na gestão educacional. Afinal, ela permite:

  1. Diagnosticar e intervir no ensino-aprendizagem: Identificar lacunas de aprendizagem e implementar soluções eficazes.
  2. Planejar programas e projetos: Avaliar a eficácia de iniciativas e garantir que atendam às demandas específicas das comunidades escolares.
  3. Promover inclusão e equidade: Desenvolver ações voltadas para reduzir desigualdades, considerando fatores como raça, gênero e condições socioeconômicas.
  4. Fortalecer a transparência: Melhorar a comunicação com a comunidade escolar, aumentando a confiança nos processos educacionais.

Fontes como pesquisas científicas, experiências profissionais e dados educacionais e institucionais foram apontados como essenciais para um diagnóstico robusto que sirva de suporte para o planejamento educacional e a tomada de decisões com mais eficiência.

“A ciência tem que informar, apoiar, estimular, inspirar, dar todos os insumos, e deixar o gestor interpretar e decidir” (Ricardo Paes de Barros, economista e professor do Insper. 2024).

Os desafios no uso de dados: comentários com base na observação participante

Durante a implementação de formação continuada e assessoria educacional para Secretarias Municipais de Educação de 10 municípios do Alto Vale do Paranapanema (Projeto PPP Vivo), foi possível perceber variados tipos de barreiras que impendem, direta ou indiretamente, a implementação de uma gestão eficiente no uso de dados e evidências:

  • equipes com pouco treinamento para o levantamento, diagnóstico e análise de indicadores educacionais;
  • baixos níveis de alfabetização e letramento digital, dificultando a pesquisa eficiente em banco de dados, como também a sistematização de informações coletadas em planilhas e/ou aplicativos que facilitem o seu resgate e o uso;
  • inexistência de agentes no quadro de funcionários das Secretarias com a função de fazer a gestão dos dados e evidências;
  • falta de cultura de planejamento educacional;
  • inexistência de fluxos contínuos de monitoramento e avaliação de indicadores das Redes Municipais de Ensino e de planos municipais, tais como o Plano Municipal de Educação, o Plano Municipal da Primeira Infância.

Esse quadro se replica no ambiente escolar, onde observa-se que os quadros de gestão, principalmente diretor escolar e coordenador pedagógico, usam pouco ou de maneira adequada os dados educacionais para tomadas de decisão quanto à melhoria da oferta de educação de qualidade social.

O quadro, acima, apresenta um modelo que resume os principais fatores que influenciam na adoção, ou não, do uso de dados na escola. Um dos fatores mais cruciais para a sua implementação é a liderança do diretor escolar e o apoio à equipe para que se efetive um trabalho colaborativo baseado em formação continuada dos professores para o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades nesta área. Quanto aos dados utilizados, há uma dificuldade em se obter informações recentes e com qualidade, mas, o mais relevante a se observar é que a comunidade escolar ainda entende pouco a utilidade que os dados podem ter para a tomada de decisão e a melhoria da aprendizagem dos alunos. Outro fator que diminui a confiança no uso de dados é o seu uso punitivo por parte dos gestores, esse tipo de abordagem precisa ser modificada para uma cultura de aprendizado colaborativo e contínuo da equipe.

“Hoje, quando a gente anuncia que vão sair os dados da avaliação diagnóstica, as escolas ficam ansiosas, porque querem ver quanto cresceram, quanto melhoraram, e já fazer a sua correção de rota”. (Alessandra Oliveira de Almeida, diretora pedagógica da Secretaria de Educação de Goiás. 2024).

Apesar do potencial, a desconfiança nos dados é um desafio recorrente. Frases como “não reconheço minha escola nesses números” refletem a necessidade de maior alinhamento entre os dados e a realidade vivida nas escolas. Para superar essa barreira, é fundamental que os dados sejam contextualizados e que haja espaço para reflexão crítica, por meio de programas formativos.

Outro desafio é o receio em medir e avaliar o trabalho que está sendo executado. No entanto, avaliações externas devem ser vistas como instrumentos para aprendizado, e não apenas como metas a serem atingidas. Gestores e educadores precisam abordar os dados com a postura de “médicos”, diagnosticando problemas com profundidade, ao invés de agir como “socorristas”, oferecendo soluções imediatistas.

Origem dos dados

Quanto à sua origem, os dados que podem ser empregados na gestão educacional podem ser externos ou interno. No quadro, abaixo, é possível observar alguns exemplos:

Outras fontes de evidências que podem e devem ser usadas no dia a dia das Secretarias Municipais e das Escolas são: (1) as pesquisas científicas, que auxiliam a melhorar, com novas metodologias e estudos de caso, tanto a gestão escolar, como a prática pedagógica; (2) e a experiência profissional dos segmentos da comunidade escolar, que pode ser amplamente reconhecida e valorizada em formações em serviço, por meio do aprendizado entre pares. Lembrando sempre que o conhecimento científico deve dialogar com as práticas dos profissionais da educação.

Estratégias para implantar uma gestão baseada em evidências

Algumas práticas podem fazer toda a diferença na implementação da gestão por evidências, com uso de dados:

  1. Estabelecimento de uma cultura de uso de dados

Essa é uma estratégia importante para mudar a mentalidade em relação ao uso de dados. Para isso, é importante que se realize:

  • Formação Contínua: trajetórias formativas para gestores educacionais, gestores escolares e professores sobre leitura e uso pedagógico de dados.
  • Transparência: devolutivas para comunidade escolar sobre os indicadores da escola e da Rede, e como os dados são usados para tomada de decisão, auxiliam no engajamento e no aumento da confiança na gestão.
  1. Reflexão e planejamento baseados em evidências
  • Utilize os sistemas de avaliação externa (como Saeb e Ideb) para alinhar os objetivos pedagógicos com o currículo escolar. É essencial que as avaliações reflitam não apenas metas quantitativas, mas o compromisso com equidade, com a perspectiva inclusiva e a permanência escolar.
  • Desenvolva sistemas de monitoramento capazes de acompanhar a trajetória de cada aluno, desde a educação infantil até o ensino fundamental, bem como o alcance das metas dos planos municipais, como o Plano Municipal de Educação e o Plano Municipal da Primeira Infância.

3.⁠ ⁠Diagnóstico Integrado e análise situacional

  • Mantenha diagnósticos atualizados sobre a oferta de educação infantil e de ensino fundamental de qualidade.
  • Combine dados externos e internos. Dados internos, como frequência e avaliações formativas, ajudam a contextualizar as informações externas, como índices de desempenho.

4.⁠ ⁠Foco na liderança escolar

  • Diretores desempenham papel-chave na mediação e no incentivo ao uso de evidências. Uma liderança eficaz, baseada em monitoramento e avaliação, está associada a melhores resultados de aprendizagem.
  • Legitimidade na liderança: desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas à liderança transformadora, inovadora e democrática dos diretores escolares.

5.⁠ ⁠Planejamento com visão equitativa e inclusiva

  • Pergunte: “Quais são as desigualdades de aprendizagem que podem ser identificadas no território atendido pela Rede Municipal de Ensino e por cada unidade escolar? A resposta a esta pergunta envolve diagnosticar os alunos enquadrados em critérios de vulnerabilidade social e como as condições externas à escola impactam na aprendizagem do aluno, para que sejam planejadas intervenções para que todos tenha direito à educação de qualidade.
  • Adote uma educação na perspectiva inclusiva: conheça a realidade dos alunos, suas comunidades, sua cultura e as diferentes formas de aprender. Assegure o acesso, permanência e condições de aprendizagem para todas as pessoas, sem preconceitos e de forma a valorizar as diferenças, com especial atenção à Educação Especial.

Conclusão

O uso estratégico de dados na educação é um caminho indispensável para promover mudanças significativas. Com uma gestão focada em evidências, é possível não apenas monitorar e avaliar aprendizagens, mas também criar políticas inclusivas e transformadoras. A pergunta que todos os gestores devem se fazer é: Quais evidências eu preciso, para que e como posso usá-las para transformar vidas?

Referências

CODES, A. L. M.; ARAÚJO, H. E. Uso de evidências em políticas educacionais – o contexto internacional e o quadro brasileiro. Ipea, 2020. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11010/1/td_2720.pdf. Acesso em: 21 nov. 2024.

INSTITUTO UNIBANCO. Importância das informações confiáveis para a educação marca primeiro dia de seminário do Instituto Unibanco. 20/06/2024. Disponível em: https://www.institutounibanco.org.br/conteudo/importancia-das-informacoes-confiaveis-para-a-educacao-marca-primeiro-dia-do-seminario-do-instituto-unibanco/. Acesso em: 21 nov. 2024.

INSTITUTO UNIBANCO. Uso de evidências demanda protagonismo do gestor escolar. 2024. Disponível em: https://www.institutounibanco.org.br/boletim/uso-de-evidencias-demanda-protagonismo-do-gestor/. Acesso em: 21 nov. 2024.

KIRSCHBAUM, C. Gestão por evidências se faz com relação colaborativa. Nova Escola. 2019. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/17496/gestao-por-evidencias-se-faz-com-relacao-colaborativa. Acesso em: 21 nov. 2024.

Saiba mais

Para saber um pouco mais sobre como fazer o diagnóstico e análise situacional na escola, assiste à aula sobre o tema.

Autor