Habitar a cidade em tempos de crise

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Pensei e repensei esses dias sobre o que tenho aprendido, como uma internacionalista que se interessa pela questão urbana. Em um primeiro momento, percebei que uma cidade é feita de pessoas que têm contato entre si. Ao sair de casa para ir à pequena agência bancária, que fica do outro lado da avenida, percebi que, mesmo ali, há “um monte de gente”, e que refletir sobre as cidades em tempos de crise global era mais complexo do que eu antecipava.

Foi, então, que acendeu uma luz. Lembrei-me de um insight um pouco antigo, que ocorreu na época que eu escrevia o meu trabalho de conclusão de curso em Relações Internacionais. Mesmo com todo o material nas mãos: biografias, teses, dissertações, livros, etc., eu sentia uma dificuldade imensa em discutir a importância do urbano na política internacional. Minha área do conhecimento, calcada na Ciência Política e na análise do Estado, não me ofertava, pelo menos inicialmente, suportes para analisar processos menores de micropolítica. Não que não haja estudos!

Várias pessoas escrevem de maneira competente sobre a atuação internacional de cidades, redes de cidades, conferências sobre o urbano e temas afins. Entretanto, são páginas e páginas justificando a importância desses estudos, ou melhor, porque as cidades “devem ao menos” serem olhadas dentro das Relações Internacionais.

Chegou toda essa crise do COVID-19 e junto com ela novas oportunidades para reflexões. O que mais se fala, para além da saúde pública, é sobre as cidades: como nos locomovemos? Como e onde compramos? E as favelas? Como fazemos política púbica em nível local? A ameaça do vírus é internacional e desafia a forma de gestão do grande Estado nacional, mas, antes de tudo, ela ocorre nas cidades e, sobretudo, afeta as pessoas que nelas vivem.

Em 2016, a ONU realizou a sua Conferência bi-decenal sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável- Habitat III. Dentre tudo o que foi discutido, me atentou o lema foi “não deixar ninguém para trás”. Essa frase causa palpitação em qualquer internacionalista: é utópica, impraticável, como eu vou analisar isso? Contudo, hoje, ela assume um significado diferente.

No atual momento, quando tudo se encontra fechado e as pessoas precisam exercitar ao máximo a sua solidariedade, e o olhar para o seu papel na questão coletiva, reflito que uma cidade se torna humana, quando coloca o ser humano em primeiro lugar, ou seja, quando não deixa ninguém para trás. Aquela decisão tomada no âmbito internacional, de não defender habitação para todos, por exemplo, desembocada em políticas nacionais de não priorização da moradia e em cidades lidando com a questão dos moradores de rua em um período em que as pessoas precisam se colocar em isolamento social.

O urbano importa. Cidades humanas, seguras, resilientes e sustentáveis se constroem mutuamente no local e no internacional. Repensar o habitar nos dias de hoje nunca foi tão necessário. Olhemos para nossas cidades. Porque, no final das contas, são elas os locais que chamamos de lar.