Os princípios da Cidade Educadora alinhados aos valores da Cidade Humana

Compartilhar

Nos últimos dez anos o Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais (IPCCIC) desenvolveu uma base teórica bastante consistente, com diretrizes e princípios que consideramos fundamentais para que uma cidade se torne efetivamente humana: colocar o ser humano em primeiro lugar; praticar a cidadania ativa; integrar e religar o homem ao meio ambiente; valorizar a economia cocriadora (Criativa, Colaborativa, Circular e de Circuito Curto); fomentar o sentido de comunidade; e educar em suas múltiplas formas. Tudo isso, permeado de maneira transversal pelo amor como atitude pedagógica, prática cotidiana dos princípios da fraternidade e da solidariedade, que norteiam a terceira geração de Direitos Humanos.

São esses valores que dão forma a nossa identidade enquanto Instituto, inspirando e orientando nossos projetos no campo da Cidade Educadora. Essa é uma ideia que nasceu nos anos 1990, na Europa, e é fortemente inspirada nos Direitos Humanos e no Direito às Cidades. A Carta da Cidade Educadora, assinada em 1994, tem princípios importantes, dentre eles: trabalhar a escola como espaço comunitário; pensar a cidade como um grande espaço educador; aprender na cidade, com a cidade, com as pessoas; valorizar o aprendizado vivencial – o aprendizado baseado na realidade; e priorizar a formação de valores.

Entretanto, o IPCCIC acredita que nenhum conceito ou projeto realizado em outra região deve, simplesmente ser aplicado, sem adaptação. Isso não faz sentido. Além das diferenças culturais, nosso país é marcado por uma grande desigualdade social, que deságua em consequências que comprometem profundamente a garantia aos direitos fundamentais: educação de qualidade, saúde, segurança. Os princípios da Cidade Educadora se alinham com o que o IPCCIC acredita. Contudo, aclimatamos o conceito, considerando os valores da Cidade Humana e as referências culturais das localidades onde atuamos. Colocar a dignidade humana em primeiro lugar na elaboração e implementação de políticas públicas é o alicerce do que acreditamos.

Ao consolidar essa base teórica, elaboramos um instrumental para que a Cidade Humana se concretize. Nesse movimento, a proposta da Cidade Educadora nos ajuda a construir ferramentas para que o espaço da cidade seja compreendido como um território educativo, com potencial para desenvolver o ser humano em sua integralidade e, consequentemente, as cidades que habitam.

Na perspectiva da educação formal, o IPCCIC tem atuado com políticas públicas de educação, propondo uma ressignificação da educação formal, sem descaracterizá-la, mas agregando, também, as possibilidades educativas da educação não formal e informal. Tem proposto um olhar para a escola como um lugar aberto às relações com a comunidade, que assume uma liderança transformacional no território e fomenta o sentido de pertencimento. Em seus projetos com as redes públicas de ensino, focaliza a educação integral (que considera o aluno como um sujeito de direitos e deveres, promovendo o seu desenvolvimento em todas as dimensões), a gestão democrática (ampla participação social na vida da escola), e a colaboração entre escolas e destas com a comunidade.

Experiência exitosa: Itanhaém Cidade Educadora.

Lílian Rosa – O IPCCIC tem projetos nas áreas de políticas públicas em direitos humanos, cultura, economia criativa e educação. Vamos tratar, aqui, do nosso último projeto, concluído em março de 2023, no município de Itanhaém, na Baixada Santista. O IPCCIC e Cocreare Consultoria, realizaram assessoria na elaboração do Programa Itanhaém Cidade Educadora ao longo do ano de 2022.

O programa foi composto por três projetos: (1) Formação Continuada para gestores escolares, para revisão dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) das 45 unidades escolares da Rede Municipal; (2) Projeto de Educação Ambiental e Patrimonial, com base nas referências culturais da localidade; (3) Plano de Metas Intersetorial Itanhaém Cidade Educadora. Os três projetos foram elaborados com base nos princípios da Cidade Educadora, da Cidade Humana e da Carta dos Direitos Humanos. Este é um exemplo exitoso de como é possível aplicar estes princípios, quando adaptados à realidade da localidade onde se implementa a ação.

O Plano Intersetorial Cidade Educadora foi elaborado durante a formação realizada para os gestores dos Departamentos de Educação, Esportes, Cultura e Educação Social do município de Itanhaém. O grupo construiu o plano intersetorial, com metas a serem alcançadas nos próximos 10 anos, quanto o município fará 500 anos.

Já o Projeto de Educação Patrimonial e Ambiental, que planejou as ações a partir das referências culturais do município que devem embasar todos os projetos do Programa, foi elaborado em oficinas com os coordenadores pedagógicos da Rede Municipal e técnicos do departamento de cultura, mediadas pelas equipes do IPCCIC e da Cocreare. A ideia era que esse projeto gerasse insumos para que as escolas e o departamento de cultura do município pudessem trabalhar a sua história, a sua realidade ambiental dentro da sala de aula.

Os dois projetos foram integrados às ações planejadas nos Projetos Político-Pedagógicos das escolas. Portanto, as três ações articulam-se, entre si, em um único grande Programa: Itanhaém Cidade Educadora.

Especificamente quanto à Formação para a revisão dos PPPs, colocamos em prática o que apontei na primeira questão. Levamos em conta que trabalhamos com um cenário nacional, no qual as cidades cresceram sem planejamento urbano – com cidades que tem cidades dentro das cidades -, marcadas pela intensa desigualdade social, com uma educação pautada por desigualdades de aprendizagem, baixo rendimento escolar e altas taxas de evasão. Um modelo formal de educação que ainda é muito conteudista. Mesmo que, recentemente, a nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular) tenha trazido uma proposta de mudança no ensino formal, inserindo uma perspectiva de aprendizado por competências, essas mudanças de paradigmas ainda estão distantes da sala de aula. Mesmo que documentos como a BNCC, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e o Plano Nacional da Primeira Infância (PMPI) falem da importância da escola se abrir e envolver a comunidade, isso está longe de acontecer. Faltam ferramentas para que os gestores escolares materializem estes princípios na escola.

Nesse sentido, elaboramos uma formação para revisão dos PPPs, baseada no aprendizado pela ação, na qual os gestores desenvolveram competências para implementar estes princípios, enquanto elaboravam os PPPs de suas escolas. A proposta organizou as escolas da Rede em 10 territórios educativos, caracterizados por grupos de aprendizado pela ação, que tinha que construir de maneira colaborativa os seus PPPs e planejar ações conjuntas de intervenção no território. Para isso, os gestores escolares foram motivados à envolverem intensamente a comunidade e a diagnosticarem o potencial educativo do entorno da escola, pensando ações a partir destes insumos.

A proposta tinha por finalidade transformar o PPP em uma ferramenta com profunda intencionalidade de ações colaborativas e voltadas para a comunidade. Afinal, abrir a escola para a comunidade não é simplesmente abrir o portão, mas compreender esta instituição como liderança e agente transformador do espaço onde ela se encontra. Uma escola que diagnostica, reconhece, identifica e se relaciona com as referências culturais e as identidades que geram vivências da comunidade que ela atende.

O trabalho com a BNC do Diretor Escolar

Para que uma cidade seja educadora, as pessoas precisam ser educadoras. No caso da escola, cabe aos profissionais da educação desenvolverem novas competências. No caso específico do gestor escolar a nova BNC do Diretor Escolar pode colaborar neste processo. Publicada em 2021, coloca como competência (entre outras) a ser desenvolvida entre os diretores a liderança colaborativa. Realizamos a formação para os gestores escolares da Rede Municipal de Itanhaém, para revisão dos PPPs, com base na nova BNC, e nos princípios da Cidade Educadora, orientando novas competências que eles precisavam desenvolver, de maneira que tivessem ferramentas para quebrar paradigmas na gestão da escola.

Resultados do Projeto Itanhaém Cidade Educadora

A experiência em Itanhaém gerou múltiplos resultados positivos. Citamos, aqui, alguns deles:

(1) Gestores escolares com as competências de implementar e coordenar a gestão democrática na escola melhor desenvolvidas, como, também, sentindo-se capazes de pensar estratégias colaborativas de intervenção no território;

(2) Projetos Político-Pedagógicos finalizados com a compreensão que não se trata apenas de um simples documento, mas de um processo contínuo de planejamento intencional da melhoria da aprendizagem e da relação família- escola – comunidade e com projetos reais de intervenção no entorno;

(3) Os participantes sentiram-se capazes de pensar estratégias coletivas de intervenção na localidade;

(4) Melhoria significativa do engajamento dos professores, com participação ativa na construção de soluções para a escola;

(5) Fortalecimento da compreensão da escola como liderança do território onde está inserida;

(6) PPP com melhor potencial de implantação, monitoramento e comunicação com a comunidade;

(7) Maior eficiência na comunicação com a comunidade;

(8) Reconhecimento de lugares, agentes e dinâmicas da cidade com potencial educativo (educação não formal);

(9) Compreensão da importância do conceito de território educativo como ferramenta para construção de ações que integrem escola e comunidade;

(10) Valorização das referências culturais e ambientais da localidade, integrando-as ao currículo escolar.

Estes são alguns dos resultados, mas convido vocês a assistirem ao vídeo que conta um pouco desta experiência, a partir das falas dos participantes da formação: os gestores escolares.