A metáfora do obscurantismo invadido pela chama bruxuleante da razão está no imaginário de muitos a respeito do papel da ciência enquanto motor da evolução. Foi Carl Sagan, em seu livro “O mundo infestado de demônio: a ciência como luz na escuridão”, que destacou sua importância para entender os mistérios do meio natural, principalmente por se tratar de um método confiável para construção de conhecimentos e compreensão do mundo. Quantos fenômenos – de doenças a desastres – passaram de punições divinas a objetos de estudo, permitindo que fossem identificadas, entendidas e, em muitos casos, prevenidas e sanadas.
Se a Humanidade fosse um filme, com a evolução como tema, a Ciência muito bem poderia fazer o papel de heroína: uma justiceira fria mas bem-intencionada, que combate o mal com rigor e lucidez, movida pela sua lealdade a seu grande mestre, Progresso. A realidade, frequentemente, porém, debocha da lógica de uma maneira que escapa à ficção e, na atualidade, o grande vilão atende pela alcunha de Desinformação, disfarçada, não raro, pelo codinome Opinião. Nesse enredo de terror, assistimos, incrédulos milhares de pessoas se recusando a confiar em protocolos científicos conhecidos e consolidados em nome de uma dita liberdade, colocando em risco suas próprias vidas e de outros.
Como chegamos até aqui? Como seguir a partir de agora? Culpar somente a ingenuidade ou a falta de conhecimento em massa não parece dar conta da totalidade ou tampouco é uma estratégia produtiva. Fazer da “ciência uma religião”, descartando outros aspectos da experiência humana que também são igualmente legítimos acaba por criar uma armadura de arrogância que afasta, e não convence, as pessoas.
Nesse embate, se cria a ilusão de uma superioridade que não existe e uma falsa dicotomia ao que parece alheio à razão: à Cultura, ao Espírito, à Experiência, ao Sensorial, às Artes, ao Humano. Em resumo: a tudo aquilo que não pode ser escrutinado e explicado com o rigor de uma pesquisa científica.
“Nada do que é humano me é estranho”, já dizia Terêncio. O mundo não é um laboratório submetido a condições constantes de temperatura e pressão: é na aproximação entre a Ciência e todo o resto que ela não pode definir ou explicar que a transformação acontece. A luz que ilumina a escuridão tem diversas chamas, oriundas de diferentes fontes. Quando uma se apaga, as outras resistem. A mensagem é clara, embora não seja simples: para vencer a Desinformação e a Ignorância, o mesmo C que está na Ciência e no Conhecimento também deve estar na Conciliação.