Transformar o mundo. E eu com isso?

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Contribuir e fazer parte da mudança positiva de nossa sociedade e do mundo é algo que deveria ser almejado, não apenas por pessoas que escolheram este engajamento como propósito pessoal e profissional, mas por todos nós. Profundos desafios, desigualdades e problemas nos cercam local e globalmente, e precisamos coletivamente enfrentá-los para que seja possível construir sociedades justas, democráticas, sustentáveis e com equidade. E para enfrentarmos esses desafios, precisamos sair de nossas zonas de conforto, estarmos abertos a aprendizados e novas visões, e a questionarmos o nosso impacto e responsabilidade no mundo que nos cerca. Neste breve texto, gostaria de apresentar algumas ideias sobre a nossa responsabilidade individual e coletiva neste processo.

Como estudioso sobre os feminismos e os esforços para a equidade de gênero, aprendi a ver o mundo e a sociedade com outros olhos e que é necessário assumir compromissos éticos, como pessoa, cidadão e profissional, se quisermos contribuir verdadeiramente para a mudança positiva. E, na verdade, essas questões e compromissos nada mais são do que obrigações éticas, humanas e cidadãs. Obrigações de todos nós.

Como nos mostrou a intelectual feminista negra Bell Hooks (2015), vivemos em sociedades marcadas pelo “sistema político imperialista, supremacista branco, capitalista patriarcal” (p. xv, versão livre do autor). Nessas estruturas de poder, violências e privilégios são produzidos e sustentados, e estão materializados em nossas vidas. Por isso, precisamos furar nossas próprias bolhas e ir além em nossas percepções. Nos engajar em (re)conhecer as dificuldades, desafios e desigualdades ao nosso redor, que muitas vezes nossos privilégios não nos “permitem” ver ou sentir.

É claro que sentimos coletivamente impactos de uma economia que não vai bem, de políticas desastrosas, das mudanças climáticas, e das violências diárias nas cidades, por exemplo. Mas a maneira como cada pessoa vivencia e sente no dia a dia esses desafios não é universal. E isso é determinado por nossos marcadores de gênero, raça, classe, sexualidade, território, religião, dentre outros entrecruzamentos, que influenciam em nossas experiências de desigualdades e privilégios. Intelectuais, pesquisadoras e escritoras feministas negras, como Kimberlé Crenshaw (2002), Patricia Hill Collins (2017), Carla Akotirene (2018), e tantas outras, nos mostram isso em seus textos, através das lentes da interseccionalidade.

Sabendo disso, é preciso reconhecer as diversidades que nos cercam, buscando informações e conhecimentos sobre as vivências e experiências em nossas comunidades, cidades e além. Nos solidarizar e nos posicionar sobre questões caras aos direitos humanos, à natureza, à democracia e à justiça social, mesmo que estejam distantes de nós, inclusive em outros territórios. Como afirmou Martin Luther King, “a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar” (1963, versão livre do autor). Precisamos garantir que ninguém fique de fora dos espaços, das políticas e dos esforços para a mudança positiva. E como é defendido no movimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas, é preciso “não deixar ninguém para trás” (PNUD, 2023).

Outro ponto importante está no reconhecimento do nosso papel na manutenção das desigualdades. Por isso precisamos reconhecer nossos privilégios e seus impactos. Repensar nossas visões de mundo, nossa maneira de falar, agir e conviver, o que e como consumimos, quem apoiamos e as pessoas que temos como referência, por exemplo. É preciso agir no dia a dia, observar o nosso entorno, refletir e questionar.

É preciso apontar a falta de diversidade em nossos ambientes de trabalho, nas universidades; questionar a falta de representatividade nas ementas das disciplinas e cursos que fazemos, e nos conteúdos que nos é ofertado. Devemos questionar a falta de diversidade e inclusão nos poderes legislativo, executivo e judiciário; defender políticas sociais que promovam a equidade, o desenvolvimento sustentável e justiça social nas mais diversas áreas em nossas cidades.

Precisamos conhecer, defender e apoiar movimentos de luta por direitos, justiça e pela transformação positiva de nossa sociedade. É fundamental que todas as pessoas se engajem verdadeiramente e sejam aliados nas lutas; tendo assim, toda e qualquer injustiça como um problema coletivo a ser resolvido, e estarmos juntos em qualquer esforço para transformar o mundo. Pois eu, você, e todos nós, temos tudo a ver com isso!

Referências:

AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2018.

COLLINS, Patricia Hill. Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e

política emancipatória . Parágrafo: Dossiê “Comunicação e Desigualdades” , São Paulo, v.

5, n. 1, p. 6-17, 2017. Tradução de: Bianca Santana. Disponível em:

https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2017/07/01.pdf. Acesso em: 26 maio 2023.

CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da

discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, [S.L.], v. 10, n. 1, p.

171-188, jan. 2002. Tradução de: Liane Schneider. FapUNIFESP (SciELO). Disponível em:

http://dx.doi.org/10.1590/s0104-026×2002000100011. Acesso em: 26 maio 2023.

HOOKS, bell. Feminist theory: from margin to center. New York: Routledge, 2015.

KING, Martin Luther. “Letter from a Birmingham Jail [King, Jr.]”. 1963. Disponível em: https://www.africa.upenn.edu/Articles_Gen/Letter_Birmingham.html. Acesso em: 26 maio 2023.

PNUD. ODS em ação. 2023. Disponível em: https://www.undp.org/pt/brazil/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel. Acesso em: 26 maio 2023.