Um coração em Ribeirão

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Assim como eu, muitas pessoas moram em apartamentos e têm a companhia de seus cachorros. Eles esperam a gente para o sagrado passeio de todo dia, que na verdade, é uma prática de saúde mental canina. Aqui em casa o rolê é diário e duplo, de manhã e à noite. E na maioria das vezes voltamos contrariados para casa, porque bater perna com o Joy é uma coisa gostosa demais, em que fazemos vários conhecidos humanos e caninos, descobrimos receitas e remédios, reclamamos dos buracos da calçada e do calor e às vezes o passeio demora o triplo porque o papo ficou bom e está fresquinho. Então, o cachorro socializa o dono, embora a soberba humana pense o contrário.

Em um desses passeios, num domingo de céu azul sem nuvens, daqueles de “rachar mamona” típicos dessa terra quente, estávamos voltando para casa. Encostado na parede externa do prédio, um rapaz com algo entre vinte e trinta anos, talvez. Me cumprimentou educadamente e disse que estava com fome. Perguntou se eu teria algo para ele comer e que, em troca, ele me daria o seu coração. E completou: Ele é pequeno, mas é verdadeiro.

Pedi para ele esperar um pouco, que eu ia fazer um lanche e trazer. Ele agradeceu e eu subi pensando no tal coração. Uma figura de linguagem? Uma poesia, que ele iria recitar? Só uma brincadeira, para dizer que ficaria grato? A urgência de entender um fato ainda acontecendo me encheu de dúvidas. De qualquer maneira, fiz o lanche, desci e entreguei para ele. Me despedi e já ia subir de novo, quando ele perguntou: Você não quer o meu coração?

Quero! Eu disse.

Ele tirou do bolso um pequeno coração vermelho, de feltro, perfeitinho e gordinho como uma almofada de sofá. Mais ou menos do tamanho de uma tampa de garrafa de leite. O coração existia e eu estava com ele nas minhas mãos, era um coração pegável, apertável. Era guardável. O rapaz começou a comer e foi embora; subimos, o coração e eu.

Ele está lá na varanda, entre os vasos de folhagens. Vermelho e quieto. Sempre que rego as plantas ou arranco alguma folha morta, eu o vejo. Lembro do rapaz que tinha fome e tinha um coração, que agora está comigo. Rapaz que nunca mais avistei, e que mansamente me contou dos corações pequenos, sinceros e anônimos que teimosamente pulsam nessa terra entorpecida.